domingo, 18 de agosto de 2019

A responsabilidade da escrita

Fiz uma live sobre relacionamentos abusivos. Ainda me sinto incomodada com o fato de que os personagens bad boys e femme fatales são romantizados nas histórias, livros e filmes. Provavelmente, em outras, mas não consigo recordar qualquer uma agora. Muitos de nós sonhamos com um grande amor e queremos alguém para o resto da vida. Não há nada de errado nisso. No entanto, estas narrativas nos ensinam que nosso amor pode mudar o outro, que se formos bonzinhos, o outro vai reconhecer que somos especiais e nos tratará de forma especial. Não há nada mais mentiroso do que isso. Não existe esta mudança "porque eu amo você, há a possibilidade de você mudar" ou "se eu for bonzinho/a, a pessoa vai me reconhecer".
Nós, criadores de histórias, temos por obrigação começar a parar com isso. A mudança deve partir de nós. Pense em quantos filmes já assistiu em que protagonista termina a história só e feliz. Eu contei dois em 45 anos de vida. Dois filmes. Livros... Bem, quase nenhum. É sempre a narrativa da felicidade encontrada no encontro amoroso e quanto pior a criatura, melhor é a história para as pessoas que a lêem. Leitores fazem com que protagonista e bad boy/femme fatale se unam. Por que isso? Por que a atração pelo que é perigoso e inadvertido?
Entendo que isso é excitante e alguns de nós precisa de emoção na vida. No entanto, estes relacionamentos na vida real são destrutivos, consomem cada pedaço da nossa alma. Por que não tratamos como eles são verdadeiramente? Por que fantasiamos uma pessoa mau caráter de índole duvidosa ganhar ética, se tornar alguém bom porque a pessoa é boa? Isso não existe. Sim, as pessoas podem mudar, mas cabe a elas tomar esta decisão. Nós não temos a capacidade de mudar o outro de forma alguma.
Eu mudei e sempre estou em busca de aprimorar quando percebo que errei, quando sei que posso melhorar como ser humano e isso começou no dia em que resolvi que tinha que melhorar da depressão. Estou sempre buscando isso. Eu tentei ser a pessoa boazinha, que tudo fazia para não irritar o outro, tentei fazer o melhor para tornar o relacionamento agradável, tentei fazer o que podia e o que não podia para tornar meus relacionamentos um lugar de repouso. O que eu consegui? Nada! Temos que começar a falar de relacionamentos saudáveis em nossas histórias.
Existem histórias de amor fofas? Sim. Tem gente que conhece o amor da sua vida na fila do pão? Tem. Manter um relacionamento não é um passeio na Disney. É um trabalho diário de respeito, entendimento, compaixão e compreensão. Há dias que não estamos bem e acabamos por descontar nos outros nossas frustrações. No entanto, se estamos com alguém que nos entende e conhece, vai entender que tivemos um dia ruim.
Vamos começar a escrever sobre a realidade ao invés de romantizar relacionamentos abusivos? Considero relacionamentos abusivos também estes em que tentamos agradar a pessoa que escolhemos e nada está bom. Eu sei. Passei por isso. Vamos parar de achar que o amor salva tudo. Não salva. O que salva é o respeito, compreensão e compaixão um pela vida do outro. Vamos mudar o paradigma.
É certo que precisamos do casal arquetípico dentro de nós, mas temos que desenvolver este casamento interno com ideias saudáveis de primeiro estarmos inteiros e depois estarmos com outra pessoa. Temos que acabar com esta ideia do amor romântico, de que sempre seremos felizes depois que a história acaba! Não há felicidade depois "E foram felizes pra sempre...". Felicidade e tristeza são passageiras, o que fica é paz de espírito e, talvez, a jornada mais incrível que um ser humano possa ter seja ir a caminho da completude. Precisamos quebrar os padrões antigos e criar novos! Talvez, por isso, Mr. Darcy seja um crush para tantas mulheres: falho, ele reconhece os erros e aceita a protagonista como ela é. Ele não é bad boy. Ele é humano e é isso que precisamos trabalhar: mostrar uma alma humana encontrando outra alma humana.
Nós, contadores de histórias, temos a capacidade de modificar o mundo por meio do que criamos. Que tal criarmos histórias positivas?

"Conheça todas as teorias, todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana". - Carl Gustav Jung.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Furar a orelha em casa

Sempre tive vontade de fazer um terceiro furo no lóbulo da orelha. Fui enrolando e deixando isso de lado. Depois que fiz o piercing na cartilagem, nunca mais quis saber de furos na orelha. Pense em algo que doía demais! Inchava e ficava vermelho, chegando a empurrar a tarraxa do brinco. Muito bem, fiz umas transformações em um brinco solitário já que perdi o par dele e resolvi enfiar um brinco lá. Inchou, claro. Resolvi colocar gelo e lá veio a ideia fantástica: e se eu fizer como as vovós e furar com a orelha congelada? Não é que deu certo?
Só que eu não sou uma pessoa muito normal, né? Daí, fiquei fuçando e inventando. Que deu? Inflamou. Eis que resolvi colocar gelo porque percebi que ajudou a aliviar o incômodo. Mas, como manter o gelo no lugar? A gente sempre dá um jeito. Peguei uma toalha de secar cabelo, daquelas que as crias dão para gente em dia das mães, que a escola faz eles desenharem, coloquei o gelo dentro. Ainda ficava instável. Peguei um cachecol e enrolei. Eis que Kylo Ren resolveu bater na porta do quarto. Tentei ficar blasé. Consegui? Claro que não. Fingi que nada estava errado.
Ele ria e ria e ria e ria dizendo que eu parecia estar com burka, que sabia como fazer uma burka refrigerada e me comparou com o professor de turbante do primeiro filme de Harry Potter. Foi expulso do quarto por bullying. Hoje, de novo, fiz uma gambiarra para manter o gelo próximo da orelha. Ele riu. Desta vez, eu parecia uma pintura renascentista, mas nada vai barrar a imagem de ontem.
Definitivamente, eu sou uma mãe muito mole!

sábado, 6 de abril de 2019

O poder de uma tatuagem

Há alguns anos eu li a respeito do projeto ponto e vírgula. Criado por Amy Bleul (morreu ao tirar a própria vida) devido à morte de seu pai por suicídio e seus anos de auto-flagelo, quer dizer que a gente escolheu viver ao invés de se entregar. Tarefa nem sempre fácil. A gente cai e tropeça muitas vezes nos pensamentos horrorosos da depressão. Eu tenho esta doença que me leva aos piores lugares nos melhores dos tempos. Escolhi fazer a tatuagem do ponto e vírgula há alguns poucos anos atrás. Talvez, uns cinco ou dez... Não tenho certeza. A única coisa que sei que o ponto é um coração e a vírgula uma asa. O coração, para mim, é que, apesar de todas as coisas duras que passei, apesar do mundo ser um lugar horrível, eu escolhi ter um coração e o mantive a duras penas. A asa representa liberdade. Eu sou um espírito livre como bem diz a expressão e não vou mais negar isso.
A outra parte da tatuagem está em grego porque estava com meu pai no hospital e comentei sobre fazer esta tatuagem que significava: minha história ainda não acabou. Ele sugeriu escrever: minha história não tem fim. Gostei da ideia porque meu livro favorito é História sem fim, a gente está constantemente escrevendo nas páginas em branco de nossas vidas e eu posso me chamar de escritora. Ontem, estava refletindo sobre isso ao lembrar da tentativa de suicídio, é algo que ainda mexe muito comigo. Creio que qualquer um que já tentou se matar, sente-se sensível quanto ao tema.
Nós sobrevivemos e sem saber a razão de estarmos aqui. Ainda ano passado, eu dizia com constância que queria morrer. Acordar era a morte, estar viva não fazia o menor sentido e Kylo Ren apenas dizia para pelamordedeus, vá marcar uma consulta com nosso psiquiatra. A vantagem de ter o psiquiatra em redes sociais é que ele também pode dar o toque especial escrevendo para a gente marcar a consulta.
Talvez, eu não devesse ter morrido naquela ocasião para estar aqui hoje. Meus pais precisaram de mim e eu não errei ao pensar que deveria viver para que pudesse dar o melhor de mim para Kylo. Afinal, ele é uma pessoa especial (embora esteja do lado negro da força). Eu sei que parece barra o que estou passando, mas tenho a sensação de ter sido forjada para isso. Minha natureza é de alguém que gosta de ajudar o máximo possível, que se desdobrará em um milhão para fazer pelos outros algo de bondoso, em ser empática, em estar presente nos momentos difíceis em que as palavras se perdem no vento.
A yoga não entrou na minha vida ao acaso. Nenhuma destas técnicas chega a nós por mero acaso. Existe uma frase da qual gosto muito: O acaso foi uma lei que ainda não foi inventada. Dito isto, explico. Meu pai precisará fazer exercícios físicos e eu dei aulas de yoga durante 12 anos. Nunca me rendeu uma boa grana porque não era meu caminho. Vejo agora que fui preparada para as aulas mais desafiadoras da minha vida: ajudar meu pai a atravessar um momento de escuridão de sua vida e ajudá-lo em suas incertezas e medos. Não busco reconhecimento, apenas quero poder dar o meu melhor e estar presente nos momentos assustadores como ele já esteve nos meus. Afinal, foi meu pai que me mostrou carinho. Não que minha mãe não me ame, ela apenas tem um jeito diferente de demonstrar. Esta última semana foi o tempo em que pude refletir em como a vida muda em microsegundo.
O mundo interno gira de modo bem diverso do globo terrestre!
Que a força esteja com todos nós.

domingo, 31 de março de 2019

Eu virei a minha mãe

Nunca pensei na vida que eu diria isso: eu me transformei na minha mãe! Ando falando as mesmas frases que ela. O pior: não é com Kylo, que é o apelido da cria. Ando a berrar com meu pai. Outro dia, ameacei saltar do carro. Tornei-me a pessoa que grita insanamente com outro ser humano embora odeio estes destemperos. Entendi melhor a dinâmica familiar. Meu pai é do tipo: o dinheiro é meu e faço o que quiser com ele. Não sei o que se passa na cabeça dele. Aprendi muita coisa boa com a presença constante. Uma delas foi como ser uma boa mãe porque era brincalhão. Sabe quando tem cumplicidade? A gente tinha. Atualmente, meu progenitor só grita e eu respondo no berro também. 

Não sei o quanto o fator câncer de próstata afeta o comportamento dele. Talvez, muito. Talvez, nem tanto. O problema é que diz que está com o pé na cova. Não, os médicos não dizem isso. Segundo a criatura, os médicos são otimistas porque devem dar esperança ao paciente. Tenho ido às consultas médicas e ninguém falou que ele morrerá em alguns meses. Os exames parecem promissores. Deve ser assustador receber um diagnóstico assim, porém é comum o homem ter este tipo de câncer. Vide o Método Kominski. Decidi por colocar as crônicas familiares aqui porque eu preciso despejar estas presepadas familiares para me sentir um pouco mais leve! 

A gente acha que diante da possibilidade da finitude, uma luz virá dos céus, o mundo se tornará mais colorido, a pessoa pensará em mudar de vida e se tornará um ser humano decente. Ledo engano! Não se deixem levar pelos filmes que assistem por aí! Isso é pura balela. Uma doença pode mudar uma pessoa se ela estiver disposta a  tal atitude, se estiver ao alcance da alma dela. Meu pai não é o primeiro a agir assim e nem será o último. Odeio o Adam Sandler, mas ele fez um filme em que está com alguma doença assim e ele diz que isso não o mudou. Ele é um nojo no filme (talvez, fora dele também). Como dizem, apenas ele mesmo deve gostar das coisas que faz.

Sabe, quero voltar a ser a pessoa tranquila que sempre fui. Sei lá se sou tranquila, mas apaziguadora, que não vê solução em gritar. Afinal, não há nada mais vergonhoso do que minha mãe dando piti em casa, na caixa de vidros, em que todos os vizinhos daqui até o fim do universo podem ouvir. Dia desses, ajudava Kylo (Disney, perdoe-me por me apropriar, mas este nome cai como uma luva para o jovem universitário adolescente tardio) e começamos a ouvir uma mulher exaltada na vizinha. A conversa alheia estava interessante, mas ela diminuiu o tom em dado momento e não descobrimos do que se tratava a revolta. No entanto, a cria começou a rir. Achei estranho e perguntei do que se tratava. Respondeu que ficava imaginando o que os vizinhos deveriam pensar das brigas com meu pai.

Estou tão azucrinada com o este senhor de 82 anos, que eu perco as estribeiras. Meu corpo ganhou músculos de tensão. Meus ombros vivem duros. Eu trabalho com o velho louco e ele diz: Arrume você as situações, eu faço do meu jeito. Ele diz que fiz errado. Cheguei no ponto de gritar dizendo: já que está errado faz você! Ao que retruca: Você precisa aprender. Eu: Então, cala a boca! Sentiram o drama? Pois é! O adolescente tardio diz que meu pai me joga no meio de uma batalha contra um pelotão armado com fuzis e todos os tipos de arma e me dá uma faquinha (de cozinha) para dar uma de Macgyver. Joga-me aos leões para lutar com as mãos vazia. 

Outro dia, fui dar uma notícia bem desagradável para um cliente. Tive que ouvir quieta a esposa do senhor gritar comigo porque meu pai me joga lá no meio da arena para virar o Loki jogado no chão pelo Hulk. Sim, é bem aquela cena. Estou aprendendo como ele diz: Quando ele fala para eu resolver e diz que está errado, respondo: Então, fala você! Estou ficando tão doida que o lado negro da força está me dominando. Sei bem que sou falha e cheia de erros, mas eu queria que a força estivesse comigo porque quero ter a paciência de um Yoda e não a fúria de um Darth Vader. Agora, faz todo sentido do mundo eu chamar a cria de Kylo Ren. Meu pai parece o Seu Darte Veider. Em homenagem à família, carrego em minha pulseira o capacete de Darth Vader.

May the force be with me!

A responsabilidade da escrita

Fiz uma live sobre relacionamentos abusivos. Ainda me sinto incomodada com o fato de que os personagens bad boys e femme fatales são romanti...